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Mrs Dalloway & cia caminham por Londres em 1923 [parte 2]

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Leia a primeira parte aqui.

2. Peter Walsh

Em casa, Clarissa recebe a inesperada visita de Peter Walsh, o namorado de trinta anos atrás, que fora para a Índia e estava de regresso a Londres. Após visitá-la, ele empreende a sua própria peregrinação por Londres. Após ser apresentado à filha de Clarissa, Elizabeth, e enquanto o Big Ben bate as onze e meia, Peter deixa apressadamente a casa de Mrs. Dalloway. Sua caminhada será pontuada, em parte, pelo encontro de importantes símbolos do (declinante) império britânico: estátuas, monumentos, edifícios governamentais. Encontramo-lo, inicialmente, na mesma rua atravessada mais cedo por Clarissa, a Victoria Street, contemplando a vitrine de um fabricante de automóveis (sim, apesar de relativamente novos, tão novos que no romance são chamados de “motor cars” [“carros a motor”] para distingui-los dos carros a tração animal com os quais conviviam numa grande confusão nas ruas de Londres, já mereciam, em 1923, na realidade, duas lojas de automóveis, e não apenas uma como no romance, na Victoria Street da época). Enquanto o som da St. Margaret se apagava, Peter toma, no sentido sul-norte, a Whitehall, rua encostada à residência dos Dalloway, em Westminster, e que se estende desde as Casas do Parlamento, ao sul, até a Trafalgar Square, ao norte. Caminhando a “passos largos, olhar fixo à frente” (p. 52), encara a estátua equestre do Duque de Cambridge, localizada em frente ao edifício do antigo Ministério da Guerra, ainda na Whitehall. Ainda na Whitehall, vê passar, marchando, um grupo de garotos em uniforme, que tinham vindo depositar uma coroa no Cenotáfio (a “tumba vazia”), monumento funerário erigido, em 1919, no centro dessa rua, em memória dos soldados ingleses mortos durante a Primeira Guerra Mundial (quando os garotos passam por ele, já haviam deixado o Cenotáfio, que ele também havia deixado para trás, pois a estátua do Duque de Cambridge encontra-se um pouco ao norte do Cenotáfio, na Whitehall). Vemo-lo, em seguida, já na Trafalgar Square, passando pelos monumentos de Nelson, Gordon, Havelock (ver Índice onomástico, p. 227).

Enquanto os garotos em uniforme desaparecem “na direção da Strand”, rua que, começando na Trafalgar Square, corre, para leste, em direção à City, o centro financeiro da cidade, Peter Walsh fica parado “junto à estátua de Gordon, do Gordon que, quando garoto, ele tinha idolatrado” (p. 53). Ainda absorto em seus pensamentos, Peter Walsh atravessa a Trafalgar Square, tomando a direção da rua Haymarket, a noroeste, iniciando sua pequena aventura de perseguição que parecia “se transformar na mulher que sempre tivera em mente; jovem, mas imponente; alegre, mas discreta; morena, mas encantadora” (p. 54). Saindo da Trafalgar Square, ele a segue pela Cockspur Street, na direção oeste, enquanto ela passa pela frente da Dent’s, relojoaria localizada no nº 28. Quando os vemos novamente, já estão bastante longe, a noroeste, “atravessando a Piccadilly, e seguindo para a Regent Street” (p. 55). Ela caminha depressa (e Peter atrás): seguindo ao longo da Regent Street, atravessa, bem mais ao norte, a Oxford Street e, dobrando à direita nessa mesma rua ou nalguma rua paralela,  chega a uma rua paralela à Regent Street, a Great Portland Street, atravessando-a e dobrando numa ruela transversal, chega à sua casa, pondo fim à aventura vespertina de Peter Walsh. Peter segue, agora só, o seu caminho. Deu meia-volta e subiu a rua (supostamente, a Great Portland Street), em direção ao Regent’s Park, onde decide descansar enquanto espera chegar a hora da reunião com seus advogados, em Lincoln’s Inn. Já no parque, escolheu, para descansar, um banco em que se sentava uma babá cuidando de um bebê num carrinho.

Fumando o seu charuto e pensando em Elizabeth, a filha de Clarissa, acabou adormecendo profundamente. Há, aqui, uma indicação de hora, quando o casal o vê no banco: “Enquanto ele [Septimus] se sentava, sorrindo para o homem morto, de terno cinza, soaram as horas – quinze para as doze” (p. 72) (Entre a hora em que Peter saiu da casa de Clarissa até a hora em que se acordou, decorreram apenas quinze minutos! Uma verdadeira proeza atlética, considerando-se que a distância percorrida é de aproximadamente 3,5 km e que, durante esse tempo, ele perseguiu uma moça e ainda cochilou no banco do parque.)

Ao acordar vê uma criança chocar-se contra as pernas de uma senhora que (ele não sabia, claro) não era outra senão Rezia Smith, a esposa de Septimus. Ao se levantar, para retomar o seu caminho, Peter passa pelo casal (Septimus estava tendo um de seus acessos e Rezia tentava acalmá-lo.) Pensando nas mudanças pelas quais passa a Inglaterra enquanto estivera na Índia, ele dobra na Broad Walk (longa e larga alameda no interior do parque, na direção norte-sul). Após uma longa sequência de pensamentos e recordações, vemo-lo finalmente, saindo do Regent’s Park. Seus pensamentos, já fora do parque, são interrompidos, junto à estação de metrô próxima ao parque, pela canção “sem sentido” de uma velha mendiga, a quem dá uma moeda enquanto pega um táxi, supostamente para ir até o escritório do seu advogado. Só teremos notícias dele novamente quando ouve o sino (sim, as ambulâncias, pelo menos as de Londres dessa época, tinham um ou mais sinos, em geral sobre o para-choque frontal) da ambulância que conduz o cadáver de Septimus. Como somos informados de que Peter ainda ouve o som da ambulância quando ela cruza a Tottenham Court Road, que corre transversal à Euston Road, paralela ao lado sul do Regent’s Park, pode-se deduzir que Peter Walsh se encontra nessa última rua (a estação de metrô do Regent’s Park, onde o vimos pela última vez, está situada na Marylebone Road, que está em continuidade, a oeste, com a Euston) quando ouve o sino da ambulância. Depois disso, apenas ficamos sabendo que “tinha chegado ao seu hotel” (p. 154), mas não somos informados precisamente onde ele fica. Após jantar no restaurante do hotel, onde trocou gentilezas com a família Morris, sai à rua brevemente para comprar um jornal e conferir o resultado do jogo do críquete, voltando para o seu quarto no hotel. Quando sai novamente, para ir à festa de Clarissa, não sabemos onde inicia o seu trajeto, mas, por um pensamento seu (“Não era a beleza pura e simples – a Bedford Place desembocando na Russell Square” (p. 164)) intuímos que ao sair do hotel ele estaria nas imediações da Bedford Place (o seu hotel estaria localizado aqui?), praça situada a noroeste do Museu Britânico, no coração de Bloomsbury. E, assim, ele caminhava, “através de Londres, em direção a Westminster”. E o vemos novamente na Whitehall, agora no sentido contrário (sul), para a casa de Clarissa. E, depois, já na “rua dela, a rua de Clarissa” (p. 165), que não sabemos exatamente qual é, apenas que fica próxima do Dean’s Yard, nas imediações da Abadia de Westminster, como já vimos.

Tomaz Tadeu

Ilustração de Mayra Martins Redin para o Estojo Mrs Dalloway, Ed. Autêntica, 2012.


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